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Nasceu na Aldeia Nova o primeiro centro de tratamento de feridos de guerra ucranianos

Associação Ukrainian Refugees UAPT requalificou um antigo seminário na Aldeia Nova, em Ourém, e transformou-o num centro de reabilitação para feridos de guerra. Primeiros soldados chegam na segunda quinzena de Dezembro para recuperarem longe do conflito na Ucrânia. Habitantes acreditam que projecto vai trazer nova vida à aldeia.

No antigo seminário dominicano da Aldeia Nova, em Ourém, devoluto há uma década, ultimam-se os acabamentos da grande obra, orçada em 700 mil euros, que permitiu erguer o primeiro centro de tratamento de feridos de guerra ucranianos em Portugal e pioneiro na Europa a nascer da iniciativa privada e de mãos voluntárias. Depois de alguns contratempos que atrasaram a inauguração, entre ligações eléctricas insuficientes e a falta de saneamento básico, o trabalho é agora feito em contra-relógio para que o centro esteja operacional para receber, na segunda quinzena de Dezembro, 30 feridos de guerra, cada um acompanhado por um familiar directo.
É naquele imponente edificado, cuja traça se fez questão de manter, que os soldados com membros amputados, lesões na coluna, queimaduras severas e com traumas de guerra vão poder recuperar com acompanhamento constante de profissionais de saúde, desde fisioterapeutas, psicólogos, massagistas a nutricionista. “São doentes que estão estabilizados mas que vêm para cá fazer recuperação psicológica e tratar do físico como aprender a usar prótese. Os médicos dizem-nos que o facto de se estar fora do ambiente de guerra ajuda 50% na recuperação porque mesmo estando a recuperar em Kiev o risco de cair uma bomba continua e não conseguem a mesma reacção ao tratamento que vão conseguir em Portugal”, explica Ângelo Neto, um dos fundadores da Ukrainian Refugees, a organização sem fins lucrativos que se atreveu a recuperar o antigo seminário.
O voluntário conta que diariamente continuam a chegar entre 300 a 400 feridos da frente de batalha e população civil ferida ao hospital de Kiev com o qual estabeleceram um protocolo e que tem sido exímio no socorro e tratamento de primeira linha mas que não consegue dar resposta a longo prazo. Foi depois de ter tido conhecimento desta dificuldade que a Ukrainian Refugees começou a semear a ideia de abrir em Portugal um centro de reabilitação que floresceu com a generosa oferta da proprietária do antigo seminário, que lhes cedeu o complexo com 4.000 metros quadrados de área construída durante um período de sete anos, prorrogável.
A empreitada tem sido um desafio constante, mas a associação tem contado com importantes parceiros como a Câmara de Ourém - que isentou a associação de taxas de licenças -, a Associação de Hotelaria de Portugal, o Leroy Merlin e a Sonae, que financiaram, respectivamente, as obras estruturais no edifício e os electrodomésticos. Têm contribuído também os donativos feitos à associação de pessoas singulares ou colectivas. “É mais um exemplo que Portugal está a dar para a Europa, especialmente nesta fase em que a ajuda humanitária caiu 90% na Ucrânia. Sabemos que foi um projecto muito ambicioso, que iniciámos sem saber se teríamos condições de terminar, mas a solidariedade foi aparecendo a pouco e pouco”, sublinha Ângelo Neto, sentado numa cadeira posicionada de frente para os edifícios, ainda despidos, onde vai ser instalada a sauna, o jacuzzi e o ginásio para os tratamentos de fisioterapia.
Outro importante parceiro deste projecto é o Hospital CUF Santarém, que, além de ter doado as camas articuladas, vai receber os feridos que necessitem de “exames mais detalhados”, como um TAC, uma ressonância, análises de sangue e pequenas intervenções cirúrgicas. De resto, os doentes terão todas as condições médicas para recuperar num complexo de saúde com vistas privilegiadas para um pinhal verdejante. E quando fala de doentes, Ângelo Neto não se refere apenas aos soldados ucranianos, mas a todas as “pessoas vulneráveis” residentes em Portugal que precisem de fisioterapia ou vítimas de violência doméstica que necessitem de um abrigo temporário. O centro, acrescenta, receberá também os refugiados que estão actualmente no centro de acolhimento de Mafra.

Devolver à aldeia a dinâmica de outros tempos
António Oliveira nasceu na Aldeia Nova há 64 anos num tempo em que “ainda se nascia em casa”. Durante a infância e juventude acompanhou de perto a dinâmica do seminário e dos seminaristas aproveitando-se, por vezes, das aulas de inglês e latim. Custou-lhe ver aquele edifício, cuja fachada está voltada para a estrada, a definhar por falta de uso depois de terem saído dali primeiro os seminaristas, depois uma resposta para crianças da Segurança Social. “Depois da Casa da Criança foi o maior apagão que tivemos na aldeia”, conta o agricultor que foi também uma espécie de intermediário no processo de cedência do complexo.

“Fico contente com a saída que deram a isto. É uma causa nobre”, diz orgulhoso e na esperança de que o centro de tratamento devolva a dinâmica perdida à aldeia povoada por 250 habitantes. António Oliveira é um dos que se tem voluntariado para ajudar no que pode e acompanhar a evolução da obra. “Às vezes até acho que venho vezes demais”, atira, acrescentando que na aldeia há outras pessoas que “também se envolvem e gostam de ajudar”.
Ângelo Neto confessa-se surpreendido com os voluntários que vão aparecendo e que ajudam a pintar paredes ou a envernizar as portas e os que mostraram a sua generosidade em pequenos gestos como levar café, fruta ou bolos para os trabalhadores da empresa que venceu o concurso da empreitada. Com a equipa médica, composta por profissionais de saúde portugueses e ucranianos, já seleccionada falta agora encontrar uma equipa de limpeza e outra para a cozinha. Em falta estão também bens como pijamas - preferencialmente novos -, chinelos e roupas confortáveis para os feridos e apoios para alimentação que podem ser doados em género ou através de donativo monetário, ambos com direito a recibo de doação. De futuro a UAPT espera conseguir construir a piscina funcional para os tratamentos e uma horta comunitária.

in O Mirante

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