Artigo de Cristina Siza Vieira no DN: "Para quando o teletransporte?"
Ainda gosto muito de ficção científica, já não tanto como quando era miúda e devorava os livros de Júlio Verne; tremia de terror noturno com o Frankenstein; vibrava com Star Trek; mais tarde com Blade Runner; 2001 Odisseia no Espaço e A Mosca. Mas continua a ser um género que me faz passar bons momentos, até porque há hoje magnificas séries televisivas que exploram distopias potenciadas pela galopante evolução tecnológica que nos dão muito que pensar (uma das minhas favoritas: Years and Years).
A par de outros, um dos tópicos que mais me fascinava era o poder do teletransporte. Mover objetos, melhor ainda seres vivos, entre eles os humanos Capitão Kirk e Dr. McCoy ou o menos humano Spock, de um lugar para outro num piscar de olhos, permitindo-lhes passar da sua nave para outra ou para um planeta, era tão mais fácil do que apanhar um autocarro para ir para o liceu! É claro que A Mosca, onde o desgraçado cientista testa com sucesso o sistema, é tudo menos uma boa fantasia, antes puro horror. Mas serve o ponto: quem dera que nos pudéssemos teletransportar.
Fosse assim e o mundo seria totalmente diferente, de modos que nem conseguimos conceber. Seguramente não precisaríamos de veículos de transporte e de energia para os mover. Nem de aeroportos.
Mas a ficção científica, embora se diga inspirada em leis e princípios científicos, é isso mesmo, um produto da imaginação.
Por isso, nada a fazer no domínio do teletransporte. Continuamos com os pés na terra, mesmo quando a imaginação abre asas, e a única forma de levantarmos voo é apanharmos um avião. E para embarcarmos temos de ter... aeroportos.
Sim, é certo que nos deslocamos de muitas e várias maneiras, umas mais sustentáveis do que outras, e a evolução no domínio dos transportes e especialmente da energia que os move, está na agenda do nosso futuro comum. Até porque o espaço aéreo vai ser cada vez mais regulado e moldado pela política e quadro regulatório, sobretudo na sua relação com as alterações climáticas. Não que o setor, por si só, não esteja a fazer o seu trabalho de casa, visto que assumiu o compromisso de zerar as emissões de carbono até 2050.
Mas, e já escrevi muito sobre isto, Portugal não pode, de modo algum, prescindir de ter um sistema de transporte aéreo muito bem estruturado.
No caso de Lisboa, a situação é crítica: o aeroporto que temos está esgotado. Já se gastaram rios de tinta (e mares de dinheiro) com o tema. Desde 1969 já se debateram "n" potenciais localizações para um novo aeroporto que servisse Lisboa. Já se ultrapassaram todos os limites da capacidade de carga da Portela, sistematicamente alargados até se atingir o espantoso número de 31 milhões de passageiros movimentados em 2019, e em março de 2022, num fulguroso ímpeto de recuperação pós pandémico, o aeroporto de Lisboa foi o 10.º mais movimentado da Europa, à frente de Dublin, Munique ou Roma. O que faz com que, tão degradada está a qualidade de serviço prestado (aí incluindo os irrecuperáveis atrasos), sejamos apontados como um dos piores aeroportos do mundo (embora em rankings nem sempre fiáveis e em "boa" companhia, diga-se).
Eis que, em 29 de setembro, ao fim de 50 anos de uma exaustiva e penosa viagem, aterra no Conselho de Ministros uma Resolução! Pretende-se promover uma Avaliação Ambiental Estratégica para, espanto, vir a decidir sobre a localização de um novo aeroporto na região de Lisboa. Em cima da mesa da Comissão entretanto criada, e cujo trabalho deve estar concluído até ao final de 2023, estão 5 opções, três de caráter "dual" (isto é, 2 aeroportos em simultâneo, mantendo o da Portela) e duas de aeroporto único, visando substituir a Portela. Já eram conhecidas, faladas, estudadas as hipóteses de Montijo e Alcochete, juntando-se agora Santarém. Todavia, diz a RCM 89/2022, de 14/10, cabe ainda à comissão, para lá destas 5 opções, "realizar, rever e avaliar os estudos, projetos e planos sobre outras opções estratégicas (...)", leia-se OTA e Alverca.
Vale a pena ler esta RCM, especialmente o seu anexo e aí os "Antecedentes e resenha histórica". É hercúlea a missão que a Comissão Técnica Independente tem pela frente. Creio mesmo inglória, posto que já tudo foi estudado, ponderado e até afastado, já se sabe que nenhuma solução é ótima e que nenhuma será aceite pacificamente.
E no ínterim, entre os trabalhos da Comissão, a decisão política e a construção da solução, Portugal perde riqueza.
Que pena a ficção não ser realidade...
Cristina Siza Vieira
Vice-presidente executiva da AHP - Associação da Hotelaria de Portugal