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Andreia Pavão: “Daqui a 50 anos, gostaria que os Açores fossem descritos como um caso de sucesso”

CEO do Hotel Canadiano - Urban Nature Hotel, representante açoriana da AHP - Associação de Hotelaria de Portugal é uma apaixonada pelo que faz. A hotelaria faz parte da sua vida desde que nasceu. Acredita num futuro em que a sustentabilidade é a palavra chave, não só a nível ambiental mas também humano.

Como é que começou esta aventura no turismo?
Eu praticamente cresci no hotel, porque o Canadiano é um projeto da minha família, dos meus avós, e abriu três anos antes de eu nascer. Não tenho memórias de mim que não passem pelos seus corredores. Quando estava na primária, era eu bem pequenina, já ia para os pequenos almoços servir cafés e chás. Naquela altura, não havia as regras que há hoje em dia. Como a minha mãe é canadiana, falava já algum inglês, por isso tinha facilidade em falar com os hóspedes. Passei também pela Lavandaria e só muito mais tarde, quando já estava no nono ano, é que fui para o Economato. Cheguei a passar pela Contabilidade e pelas Reservas do Hotel, mas sempre como trabalhos de Verão.

Passar por todas estas funções fez com que agora seja melhor no que faz?
Sim. Aliás, no dia do Trabalhador, permitimos a toda a equipa trocar de posição e cada pessoa escolheu em qual queria estar. Curiosamente, a minha posição preferida é o housekeeping. Não tem tanto a pressão de lidar diretamente com o cliente nem é burocrática. É algo que já tinha feito no meu percurso profissional a trabalhar para uma outra empresa, a ANA - Aeroportos. Eles faziam uma semana de integração em que percorríamos a empresa toda, o que era importante para entender o que cada colega fazia. Isto só prova que estas experiências são possíveis tanto em empresas grandes como pequenas.

Como é que as pessoas reagiram à experiência?
Gostaram muito. É importante porque as põe na pele do colega. Há sempre muita curiosidade em tentar posições diferentes e, como política de recursos humanos, acho que funciona e promove a polivalência, que é muito importante, sobretudo nas profissões em que se trabalha por turnos. Quando as coisas têm de funcionar 24 horas, é preciso saber lidar com o imprevisto.

O que é que o hotel significa para si?
Tenho muito orgulho neste projeto porque acho que somos um bom exemplo. O Canadiano está aberto desde 1982 mas foi remodelado em 2019 para se tornar mais sustentável. Melhoramos a eficiência do ponto de vista energético, investimos em painéis fotovoltáicos, bombas de calor, deixamos de usar gás, entre outras coisas. Para além disso, orgulhamo-nos de ter uma equipa com pessoas que se mantém connosco há mais de trinta anos. Mesmo durante a pandemia, mantivemos os nossos trabalhadores e aproveitamos para investir na sua formação.

Na sua opinião, quais os principais desafios que o turismo nos Açores enfrenta hoje em dia?
Estamos a fazer uma trajetória de crescimento. O último grande evento que nos fez crescer rapidamente foi a liberalização do espaço aéreo. Como em qualquer sector que cresce rapidamente, estamos com algumas dores de crescimento. Do lado dos privados, vai continuar a haver investimento. Do lado do público, de quem regula, há a preocupação de garantir que esse investimento é sustentável e não estraga a qualidade de vida dos locais. Equilibrar estes aspetos é o maior desafio.

Diria então que um dos maiores desafios é o da sustentabilidade?
É, e ela não se resume só ao ser mais “verde” e à proteção dos recursos naturais. Está também relacionada com as questões da mão de obra, por exemplo, que é um problema que não se resume só aos Açores ou a Portugal. Em todo o mundo desenvolvido, a população está a envelhecer e os ativos passam a ser menos. Os fluxos migratórios poderão ter um papel importante para contornar esta questão, como já aconteceu anteriormente, quando a Europa se reconstruiu. Nos Açores em particular, há que pensar muito bem no setor turístico porque ele emprega muita gente, não só nas atividades diretamente ligadas ao turismo como em todas as empresas que lhes prestam apoio e serviços. Temos de nos lembrar de que, apesar de vivermos numa região autónoma, não somos autosuficientes. Precisamos de sectores que cresçam, que gerem receita que fique cá, sejam eles o turismo ou qualquer outro sector.

Outro tópico que tem estado em discussão é o do alojamento local. Como hoteleira, qual a sua opinião sobre esta questão?
O alojamento local teve dois grandes méritos. Em primeiro lugar, veio preencher as lacunas da hotelaria e introduzir uma maior adaptabilidade à oferta. Se antes só as famílias é que procuravam o alojamento local, hoje em dia ele é preferida por vários tipos de clientes, como o corporate, que prefere fazer o check-in através do código sem depender de horários, por exemplo. Em segundo lugar, o alojamento local democratizou o acesso ao rendimento. Para se ser investidor na área de hotelaria é preciso ter muito capital mas, para ter uma pequena unidade, pode-se começar com poucas camas. Muitas vezes, isso foi tornado possível com heranças familiares ou pequenos investimentos, o que fez com que se criasse um grande número de pequenos investidores, embora isso não seja o caso de todos. O que acontece é que, por ter sido tudo tão rápido, a legislação foi muito simplificada, o que originou um certo descontrolo numa fase inicial. Acresce-se o facto de outros tipos de instrumentos regulatórios, como o Plano de Ordenamento do Território, que impõe limites ao licenciamento de empreendimentos turísticos, estarem em vazio legal em relação ao alojamento local, porque ainda não foram adaptados à realidade. Este facto, conjugado com o problema da habitação, que, na minha opinião, depende de muitos outros factores que nada têm a ver com o alojamento local, faz com que haja esta pressão por parte da opinião pública para se regular mais. E depois é o mercado a funionar. Enquanto a atividade do alojamento local render mais do que o arrendamento a longo prazo, os proprietários vão preferir a que tem o rendimento superior.

Ser gestora nos Açores num tecido empresarial que ainda tem uma maioria masculina vem com desafios acrescidos? Sente que algo mudou nos últimos anos?
Ser mulher não é um problema mas pode dificultar, nalguns momentos. Eu ainda apanhei a fase em que a avaliação de crédito estava relacionada com a confiança que o gerente do Banco tinha no gestor. Hoje em dia a análise é bem diferente e com muitos outros critérios, mas eu ainda apanhei essa fase. Naquela altura, ainda senti alguma diferença. Tinha, por vezes, a sensação de que, se fosse homem, uma determinada reunião teria corrido de uma forma diferente. Como empresária, não me sinto de todo descriminada por ser mulher, mas há uma tendência geral de atribuir as responsabilidades parentais muito mais às mães do que aos pais. É uma atitude que vejo a acontecer nas próprias escolas e está muito enraizada na nossa cultura. Ainda se acha que determinadas coisas são da responsabilidade das mães, e elas próprias sentem essa culpa se falharem. Isso torna mais difícil que uma mulher que decide ser mãe consiga chegar ao topo da carreira ao mesmo ritmo que um homem. Enquanto ainda houver esta diferença, não poderemos considerar que há igualdade. Ainda assim, considero-me uma privilegiada e sou muito sensível a situações que se passam não tão longe de nós, em sítios onde as mulheres têm a sua liberdade muito condicionada.

Num mundo ideal, como é que vê a projeção do destino Açores no futuro?
Daqui a 50 anos, gostaria que os Açores fossem descritos como um caso de sucesso e um exemplo a seguir. Espero que consigamos desenvolver as ilhas, garantir que há emprego, que as pessoas cá ficam e não têm de emigrar. Que possa haver empreendedorismo jovem, novos projetos. Para isso tem de haver mercado, tem de haver visitas, e temos de ser uma economia aberta. Gostava muito que encontrássemos este meio termo, e acho que temos todas as condições para que assim seja e haja sustentabilidade. Acho que estamos de parabéns a esse nível, porque fomos pioneiros e temos uma sensibilidade ao tema muito grande que não é só das empresas ligadas ao turismo, é de todos, e tem de ser de todos. Há problemas a resolver que passam também pelas entidades públicas. Temos de ter mais áreas de reserva protegida, mais controlo de resíduos, um maior cuidado com o tratamento de águas, entre muitas outras coisas. E os desafios estão sempre a surgir. Este aumento da temperatura média da água do mar é exemplo disso e irá trazer problemas que ainda não conseguimos prever. Este é um processo dinâmico, por isso temos de estar preparados. Mas se pusermos o coração do lado certo, acho que conseguimos encontrar soluções em conjunto.

in Açoriano Oriental

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