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Bernardo Trindade encara a entrada da CGD no capital do Banco de Fomento para garantir capitalização das empresas

Na primeira parte da entrevista ao presidente da Associação da Hotelaria de Portugal, Bernardo Trindade, abordamos o ano turístico na vertente da operação hoteleira, os problemas que enfrenta ainda, decorrentes de dois anos de pandemia, o ritmo de investimento estrangeiro e as perspetivas para 2023, tendo em conta os inúmeros desafios e riscos que estão a colocar-se à atividade.

O ano de 2022 já pode ser considerado como o ano da recuperação hoteleira face a 2019, que foi o melhor ano de sempre para o turismo português?

Em relação à ocupação hoteleira, em relação aos preços praticados, em relação à receita obtida, diria que é uma recuperação que acontece mais rapidamente do que todos esperávamos e isso é obviamente bom porque se Portugal tem uma vantagem comparativa nesta área do turismo, o que é facto é que os clientes que nos visitam responderam afirmativamente a esse princípio.

É fundamental entender que essa recuperação aconteceu, mas é preciso também olhar um bocadinho para um outro lado – e este é um tema de comunicação relevantíssimo – que é o de dizer que a receita foi toda, ou quase toda, recuperada, mas que do lado da despesa temos um agravamento generalizado dos custos que correspondem à criação de valor na área da hotelaria. Desde logo o custo do fator trabalho, em resultado de Portugal ter perdido cerca de 45.000 ativos entre 2019 e 2021 os ativos que permanecem no setor, hoje, estão a ser melhor remunerados. Todos os estudos apontam nesse sentido e obviamente que isso tem repercussão ao nível da estrutura de despesa das empresas.

Por outro lado, se juntarmos aspetos tão fundamentais como o custo da eletricidade e do gás, toda a cadeia alimentar, a prestação de serviços, tudo isto está mais caro, o que significa que, se por um lado conseguimos repercutir no cliente este aumento não podemos embandeirar em arco dizendo que como recuperámos na receita, esse terá uma expressão imediata ao nível do resultado – não, a despesa vamos ter que a identificar, contabilizar, e depois refletir sobre os resultados.

Mas quando alguma imprensa diz que os preços da hotelaria em Lisboa, no Porto, na Madeira e no Algarve, subiram 20% no verão, isso tem alguma correspondência com a realidade ou não?

Pode ter, mas chamo a atenção que do ponto de vista das expectativas, nós também estamos a assumir uma despesa que não esperávamos e, portanto, o resultado que é o apuramento de receitas e despesas é algo que faremos mais à frente.

Nesse prisma ainda é cedo para se fazer um balanço sobre se as empresas hoteleiras ficaram “confortáveis” com a gestão deste ano?

Indiscutivelmente, porque isso sucede-se a dois anos e meio que foram os piores dois anos de sempre, que tiveram uma implicação duríssima nas suas estruturas patrimoniais, nos seus balanços, e essa matéria tem que ser observada e acompanhada.

Sem os apoios durante a pandemia muita miséria tinha sido gerada

 

O Estado teve um papel importante na ajuda às empresas hoteleiras durante a pandemia e na retoma. Neste momento são necessárias mais ajudas e que tipo de ajudas?

Sendo totalmente justo, durante a pandemia se não tem havido o lay off simplificado, posteriormente o apoio à retoma e o programa ‘Apoiar’ ao nível das micro e pequenas empresas, muita miséria tinha sido gerada em Portugal e este é um fator que não é uma questão de opinião, é uma questão de facto e é importante que tenha acontecido. Agora, isto não chega, não basta isto. As estruturas patrimoniais das empresas foram fortemente impactadas pelos efeitos do Covid, portanto, da parte do Estado, há que olhar para estas estruturas patrimoniais. Daí que tenhamos sublinhado, desde o início, a importância do Banco de Fomento enquanto instrumento de política pública que visa a capitalização das empresas e colocar os princípios do Banco de Fomento no terreno não tem sido fácil, é um processo que ainda não está concluído.

A perspetiva da AHP é esta: sendo o Banco de Fomento um instrumento de política pública, havendo outros instrumentos de política pública com expertise na área financeira – refiro-me, nomeadamente, à Caixa Geral de Depósitos – até à conclusão do processo do Banco de Fomento, deviam fazer-se duas coisas – a primeira era envolver a Caixa Geral de Depósitos com essa expertise para suprir as lacunas que ainda não foram resolvidas em sede daquilo que é o objetivo do Banco de Fomento e encarar uma hipótese, mais estrutural, que era a de a Caixa Geral de Depósitos fazer parte do capital do Banco de Fomento. Era uma vinculação que se conseguiria, era uma expertise que transportaríamos para este instrumento de política pública, sobretudo com a consciência de que esta vertente do turismo, que é reconhecida por todos como fundamental para o nosso futuro coletivo, tinha uma expressão clara de apoio, de suporte e de continuidade.

Investimento estrangeiro: o grande desafio político é o de conseguir o equilíbrio

 

O aumento das taxas de juro, a falta de liquidez em muitas empresas, a guerra na Europa, são o cocktail perfeito para que as empresas hoteleiras portuguesas abrandem o investimento nos próximos anos?

Isso tem várias dimensões. ‘Guerra’ é uma palavra que não rima com o turismo, a confiança, disponibilidade de cada um para sair de sua casa, e enquanto esta questão permanecer num limbo, obviamente que tem consequências. Dou um exemplo: o mercado alemão é um mercado muito importante para Portugal e o alemão, enquanto pessoa, é alguém que gosta muito das coisas planeadas, certas, ajustadas. Incertezas em sede do preço do gás e da eletricidade, incertezas relativamente ao facto de esta mobilidade poder não ser totalmente concretizada, nomeadamente por dificuldade do regresso a casa, faz com que uma decisão de lazer seja uma decisão protelada e evidentemente que isso não é bom para um país como Portugal.

Por outra parte, do lado das empresas que investem, o facto de haver incertezas, nomeadamente em relação aos fatores de produção, ao custo do financiamento para fazer investimento, é uma matéria que atrasa sempre decisões.

Eu entendo a sua resposta mas, por outro lado, aquilo a que estamos a assistir, é a alguma avidez do investimento estrangeiro na hotelaria em Portugal, tanto na aquisição de hotéis como para construir. Esta é uma situação que pode preocupar o investidor nacional?

A pandemia trouxe outro tipo de desafios. À escala global, as empresas tal como as pessoas, de forma previdente, pouparam mais. Hoje temos maior poupança à escala global e a questão que estes investidores internacionais colocam é a de saberem como vão colocar a liquidez que têm e não há dúvida que Portugal fez, ao longo dos últimos anos, um caminho que considero muito interessante de reposicionamento. A forma como Portugal é visto hoje em mercados como os Estados Unidos ou o Canadá, a estabilidade política e económica, a forma como todos os agentes trataram o seu território, a forma como comunicámos, fizeram com que este interesse tivesse crescido substancialmente, e vejo isto em variadíssimos domínios, como o número de americanos e canadianos que estão hoje em Portugal a fazer programas de mestrado ou de pós-graduação, o lugar em que os europeus colocam Lisboa e Porto em sede de Erasmus. Hoje, esta comunicação flui e do ponto de vista de informação, os investidores, sejam eles family offices ou fundos, têm uma apetência enorme por Portugal.

O grande desafio político é o de conseguir fazer este equilíbrio entre aquilo que estamos a vender, a forma como nos relacionamos com os nossos – este é um tema das grandes cidades –, como é que 10 milhões de portugueses, residentes, com uma forte predominância no litoral e nas cidades, comunicam com estes novos segmentos. Nós somos partidários do mercado, da livre iniciativa, da regulação e esses equilíbrios vão ter que acontecer. Se vamos ter novos parceiros como acionistas ou detentores de capital nas empresas? Sim, mas é preciso que o investimento também se relacione e dialogue com a operação. Muitas vezes não é só necessário colocar capital também é preciso saber se, do ponto de vista da operação, é ou não rentável face aos desafios que já identificámos.

 

“O pior que poderia acontecer a Portugal era perder a sua identidade em função de um investimento [estrangeiro]maciço que não tivesse em conta aquilo que nós somos como povo e como coletivo”

 

Portanto, o investimento estrangeiro em Portugal é um bem mas, por outro lado, tem que ser equilibrado?

Tudo tem que ser balanceado. O pior que poderia acontecer a Portugal era perder a sua identidade em função de um investimento maciço que não tivesse em conta aquilo que nós somos como povo e como coletivo.

Antes de entrarmos numa outra fase da nossa entrevista em que iremos abordar algumas das grandes questões do turismo, perguntava-lhe quais as perspetivas da AHP para 2023, face à situação económica que nós, e os nossos principais mercados emissores, vivemos?

Realisticamente, e todas as instituições já referem isso em uníssono, acho que Portugal vai crescer no quadro da União Europeia, num papel quase de liderança. Isso há-se ser apurado mais à frente mas Portugal tem um papel de liderança na recuperação económica da Europa e para essa recuperação económica da Europa o turismo contribui de forma muito significativa.

As previsões para 2023 apontam para um crescimento, ainda que muito mais modesto e moderado e obviamente isto também tem o sentir do setor do turismo, ou seja, nós continuamos otimistas mas temos a noção de que há um conjunto de questões que se relacionam com a guerra, com os custos das matérias-primas e dos fatores de produção, das cadeias de distribuição descontinuadas – tudo isso são riscos para a nossa atividade. Face a riscos, a boa previsão é ser prudente que é aquilo que nós procuramos ser.

Amanhã no Turisver.pt pode ler a segunda parte da entrevista com Bernardo Trindade, presidente da Associação da Hotelaria de Portugal, onde serão abordados, entre outros temas:

- A problemática do novo aeroporto para Lisboa
- Acessibilidades aéreas
- Os Recursos Humanos e o serviço ao cliente
- O relacionamento com o Governo

in Turisver

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