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Turismo. Escassez de mão-de-obra sobe salários mas pouco

Alojamento, restauração e similares pagaram mais 22 euros por mês em 2018. A média nacional ainda está 200 euros acima.
 
Pedem experiência comprovada, inglês fluente, carta de condução, viatura própria e disponibilidade imediata. Em troca oferecem um salário líquido mensal de 700 euros por doze meses de contrato e, caso seja necessário, facilitam alojamento. O anúncio de emprego para função de rececionista destina-se a uma unidade hoteleira de quatro estrelas no Algarve, mas espelha – grosso-modo – a realidade vivida no setor. No ano passado, o salário médio líquido mensal dos trabalhadores do alojamento, restauração e similares fixou-se nos 654 euros mensais. Pouco mais do que o atual salário mínimo. 
 
Os trabalhadores do turismo levaram para casa mais 22 euros do que em 2017, mas ainda estão a 234 euros da média salarial paga em Portugal. Isto é, o turismo paga 26,35% menos do que o conjunto da economia, diz o INE. Números cinzentos para um dos setores que mais tem contribuído para o crescimento económico e que, em 2017, representou 7,5% do valor acrescentado bruto nacional. O andamento da atividade turística de 2018 será conhecido esta quinta-feira. 
 
A hotelaria não se revê nos números, que a restauração – onde se praticam muitos salários mínimos – pressiona negativamente. “Fazendo uma estimativa, os nossos salários em 2018 rondaram os 1141 euros (valores brutos). O que sentimos é que há um aumento da massa salarial e que isso tem a ver com maior rentabilidade das empresas, por um lado, e por outro lado, com a escassez da mão-de-obra, como também acontece em outros setores”, diz Cristina Siza Vieira, diretora-geral da AHP. “Dentro do Turismo, a área da hotelaria é porventura aquela que melhor remunera os seus quadros”, reforça José Theotónio, CEO do grupo Pestana, onde o salário mínimo pago os trabalhadores era 630 euros no ano passado. 
 
“A atividade turística foi durante alguns anos pouco valorizada. Toda a gente, mesmo sem formação específica em hotelaria, facilmente encontrava trabalho. Logo, estas pessoas nunca poderiam auferir um grande rendimento. A exigência cada vez maior de trabalhadores qualificados tem vindo a alterar esta realidade. Há cada vez mais necessidade de contratar pessoal com formação específica nesta área, o que consequentemente leva a melhores salários”, acrescenta Bruno Lima, coordenador da Academia do grupo Turim Hotels. 
 
É a lei da oferta e da procura. No ano passado, o número de trabalhadores ao serviço do turismo aumentou para 328 mil pessoas, uma subida de 5,3%, acompanhando o crescimento do setor. Ainda assim, são precisos muitos mais. 
 
A AHRESP diz que há investimentos a serem travados por falta de mão-de-obra e estima que a restauração e bebidas e o alojamento turístico precisem de cerca de 40 mil novos trabalhadores. Só a restauração estará a trabalhar com metade do pessoal necessário, acrescenta. 

Os hoteleiros confirmam as falhas. Nos últimos dois anos, os vários grupos a operar em Portugal começaram a antecipar as suas contratações de verão e, assim que ano vira, as unidades avançam para open-days e concursos que ajudam a mitigar as falhas para as mais diversas áreas de atividade. 
 
Só o grupo Pestana, que gere mais de 90 hotéis em Portugal e no estrangeiro, precisa de contratar 300 pessoas. Abre, por isso, as portas de diversos hotéis para sessões de recrutamento que já arrancaram este mês. As áreas com recursos em falta são as mais variadas – receção, restaurante, bar, cozinha, piscina ou manutenção. 
 
A dona do Sheraton, em Cascais, e do Pine Cliffs, no Algarve, também tem à volta de 300 vagas de emprego, mais de 270 só para o resort algarvio. Cozinha, limpeza, serviço de quartos, restauração, bar, animação, spa e finanças são as funções mais necessitadas, mas também se procuram bagageiros, concierges ou empregados de mesa. 
 
O Algarve também é o grande foco do grupo NAU, que estima necessidades em torno das 400 pessoas para as unidades de Albufeira, Portimão e Vila do Bispo. Tal como os grupos concorrentes procura, essencialmente, pessoas para as funções mais baixas, como a limpeza, a manutenção, ou motoristas. 
 
Esta escassez não é de hoje, mas o bom funcionamento das unidades está dependente da capacidade de tornar determinadas funções mais atrativas, lembra Pedro Martins, responsável pelas escolas de hospitality Glion e Les Roches. “Houve um boom tão grande nesta indústria e uma necessidade de reforço da mão-de-obra que a oferta existente não consegue satisfazer a necessidade. É difícil manter os talentos em Portugal porque os salários não acompanham. A indústria precisa de cuidar da sua mão-de-obra. Para se ter uma ideia só 20% dos nossos alunos portugueses, licenciados e com masters é que voltam para Portugal”. 
 
“A perceção é que em Portugal os salários podem ser baixos em todas as indústrias, mas os talentos são sempre compensados”, reforça José Branco, diretor-geral do hotel Cascais Miragem, admitindo que a dificuldade em contratar não é de hoje “e a situação agrava-se continuamente pela sazonalidade, pelas ocupações mais elevadas a partir de abril e pela maior parte das aberturas de novos hotéis, alojamento local e hostels acontecerem imediatamente antes do período de verão”. 
 
É terreno instável. O governo e Turismo de Portugal querem duplicar o nível de habilitações no turismo e, até 2027, ter 63% dos trabalhadores com ensino secundário e pós-secundário. Esta formação diz, Pedro Martins terá de ser cuidada desde as funções mais básicas sob pena de não se conseguir suprimir a escassez. 
 
“Há que encontrar soluções com os empresários”, reforça João Fernandes, presidente da Região de Turismo do Algarve. “O turismo tem sido o principal motor da criação de emprego e naturalmente quando esgotamos as possibilidades de recrutamento direto de inscritos nos centros de emprego coloca-se essa questão. O Algarve tem falta de recursos humanos no pico da procura como está a acontecer um bocadinho por todo o território”. 

in Dinheiro Vivo online, por Ana Margarida Pinheiro

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