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Entrevista de Bernardo Trindade ao Expresso: "A recuperação é forte, Portugal não pode esoerar mais pelo aeroporto"

Bernardo Trindade Presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP)

A recuperação do turismo está a ser mais forte do que se previa. Portugal irá liderar este processo em 2022, segundo projeções da Comissão Europeia. E é preciso acelerar a decisão sobre o novo aeroporto além de avançar “obras urgentes na Portela”, frisa o presidente da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP). Havendo previsões das ocupações e receitas igualarem ou mesmo superarem 2019, Bernardo Trindade também adverte haver ainda muitas incertezas e constrangimentos, sobretudo derivados da guerra na Ucrânia.

Como está a correr este arranque do pico do verão, marcado por situações de caos nos aeroportos?

A recuperação está a ser mais rápida do que prevíamos, sente-se em todas as regiões do país e sobretudo nas regiões autónomas, Madeira e Açores, que a estão a liderar. Um inquérito recente da AHP aponta para níveis de ocupação semelhantes a 2019 e com um nível de preço superior. No início do ano, pensava-se que conseguir menos 10% ou 20% que 2019 seria um resultado excelente. Com o evoluir da situação percebemos que a recuperação é mais forte e a procura internacional ressurgiu acima das expectativas: as pessoas querem viajar, sair das suas casas, fruir de um ambiente de lazer em Portugal. Mas para os hotéis ainda é um equilíbrio precário, pois estamos a ser confrontados com outros constrangimentos, como a saturação das infraestruturas aeroportuárias por toda a Europa e pelo mundo, não é um tema só de Portugal.

O aeroporto de Heathrow disse às companhias aéreas para não venderem mais bilhetes no verão. Os cancelamentos dos voos estão a chegar aos hotéis por efeito dominó?

A informação que temos da ANA é que os cancelamentos nos aeroportos nacionais são de 2% a 3% em relação ao que estava previsto. Significa que estas pessoas não estão a chegar ao hotel para fazer check-in, sentiu-se esse efeito em Lisboa e um pouco no Algarve, mas não é significativo ao ponto de pôr em xeque o processo de recuperação. É uma situação que vamos acompanhar, reflete o momento que vivemos em que até os aeroportos dizem aos operadores para deixarem de vender por incapacidade de resposta. Dou o exemplo recente de um avião vindo da Alemanha para o Algarve cheio de passageiros, e chegaram todos sem malas. Isto porque na origem, na Alemanha, não havia pessoas no aeroporto para fazerem o transporte destas bagagens.

A Confederação do Turismo de Portugal (CTP) avançou que adiar um novo aeroporto até 2027 ia custar ao país €6,8 mil milhões, e que esta decisão do Governo será anunciada em breve. Tem essa indicação?

O estudo da CTP teve o mérito de trazer números, e muito significativos, sobre a falta do aeroporto. O que interpelamos o Governo é para uma decisão, Portugal não pode esperar mais, não pode dar-se ao luxo de perder a procura crescente de estrangeiros que querem vir, gastar e gerar valor ao país. A Comissão Europeia projetou que Portugal vai liderar a recuperação em 2022, que estará muito alicerçada no turismo. Se o país é o que mais crescerá a nível da União Europeia, a nossa preocupação é que em 2023 a principal infraestrutura aeroportuária não terá capacidade de responder a esta esperada recuperação. E precisamos urgentemente de fazer obras na Portela, para haver mais estacionamentos de aviões, melhor qualidade de serviço dos prestadores, e um deles claramente é o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Hoje parece que já não é notícia, mas há mês e meio atrás tivemos situações de passageiros dos Estados Unidos e Canadá em espera de cinco a seis horas para entrarem em Portugal.

Num momento com tanta procura, como estão os hotéis a lidar com a falta de pessoal?

No Algarve, a nossa principal região turística, quem não se preparou atempadamente para o verão está a ter dificuldades em manter o seu negócio. Essa falta sente-se por todo o país, e não é um tema só português ou do turismo. Os hotéis estão a fazer a sua parte, celebrámos um novo contrato coletivo de trabalho com o Sitese (Sindicato dos Trabalhadores do Sector de Serviços) integrando reivindicações que se relacionam quer com carreiras, quer com salários. Foi muito satisfatório para nós ver refletido no novo contrato coletivo flexibilidade e banco de horas. Cada um dos nossos hotéis associados olha hoje de forma diferente para o tema do recrutamento, até por necessidade: estamos a pagar mais, estão a ser dados passos importantes na relação com a força de trabalho. Mas sentimos que, ainda assim, não é suficiente.

O turismo precisa de quantos trabalhadores nesta fase de aumento de procura?

O nosso objetivo é poder recuperar, o quanto antes, os cerca de 45 mil trabalhadores que perdemos entre dezembro de 2019 e dezembro de 2021, sempre com a noção que é preciso manter a qualidade de serviço que levou Portugal a ganhar um conjunto vasto de prémios. Num processo de recuperação que está a ser mais rápido do que prevíamos, temos de encontrar respostas a vários níveis. Saudamos a ratificação do acordo de mobilidade para trazer trabalhadores da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) — o que não é só um tema para o turismo ou para este momento — mas sentimos que isto na prática não basta, a regulamentação tem de ser ágil e rápida, e esse é o apelo que estamos a fazer ao Governo. Na AHP consideramos que para se obter uma licença para efeitos de mobilidade deve ser suficiente um contrato de trabalho, comprovativo de morada e um cadastro criminal limpo, essa é a nossa reivindicação.

Quanto poderá atingir o aumento de receitas nos hotéis em 2022?

Não se consegue ainda quantificar, falando com os nossos associados sentimos que estão criadas condições para atingir níveis de ocupação idênticos a 2019, podendo vender melhor. Mas isto é do ponto de vista da receita, vendo do lado da despesa estamos a ser confrontados com vários fatores, em resultado da guerra na Ucrânia temos cadeias de distribuição que foram interrompidas, e com uma inflação generalizada dos custos de produção, como eletricidade, gás, alimentação, e de forma geral em todos os serviços que compõem a oferta hoteleira. Temos conseguido refletir parte destes custos no preço de venda ao cliente. Mas até quando? É uma pergunta para a qual não temos resposta, não sabemos quanto tempo mais demora esta guerra, que continua a ser uma ameaça muito forte, ou se se conseguirão construir alternativas do ponto de vista de fornecimento de forma a não inflacionar tanto os preços. Permanece um conjunto de interrogações que são muito significativas. Estamos a recuperar, dá-nos ânimo em relação ao futuro, mas sentimos que este é um equilíbrio precário. E sem esquecer que vimos de dois anos desastrosos, com os hotéis fechados, os colaboradores em casa, os clientes impedidos de vir, e os nossos balanços ainda serão fortemente marcados, na demonstração de resultados, com 0 que se passou em 2020 e 2021.

Como vê nesta fase de recuperação o papel da TAP, que também não tem escapado ao cenário de voos cancelados?

Os cancelamentos estão a atingir todas as companhias aéreas. E a TAP sofreu um processo de reestruturação muito duro, que passou por despedir 1600 pessoas, em resultado do plano que foi aprovado pela Comissão Europeia. Com os aviões no chão e os clientes em casa devido à pandemia, as empresas fizeram 0 que do ponto de vista económico era racional na altura: ajustar as estruturas em função de uma ausência de procura. A procura regressou, de forma muito rápida, e a TAP continua a trazer muitos turistas para 0 país. É um instrumento fundamental para a recuperação de Portugal e do turismo, a TAP nunca poderá ser negligenciada ou dispensada.

>> Leia a entrevista na íntegra aqui.

Entrevista de Bernardo Trindade no Jornal Expresso, de 22 de julho de 2022.

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