Investimentos privados 16 mil milhões de euros
"Os investimentos privados na hotelaria em Portugal representam mais de 16 mil milhões de euros! Se há este investimento e se nós não o utilizarmos, estamos a desperdiçar uma oportunidade, pois, hoje em dia, o turismo é o principal motor do nosso crescimento económico", afirma Raul Martins, presidente da AHP - Associação Hoteleira de Portugal.
A construção do novo aeroporto do Montijo e a necessidade de controlar a oferta de hotéis e alojamento local são outros dos temas em destaque na 29ª edição do Congresso de Hotelaria de Portugal, que decorre entre 15 e 17 de novembro, em Lisboa, subordinado ao tema "Descobriram Portugal. E agora?".
Vida Económica – Qual a da 29ª edição do Congresso de Hotelaria de Portugal na indústria do turismo nacional?
Raul Martins - A AHP representa mais de 65% dos hotéis de Portugal, sendo de longe a maior associação implantada em todas as regiões, através de representantes que fazem a ligação com os associados. Por outro lado, a AHP presta um conjunto de serviços desde o apoio jurídico até à aprovação de projetos e consequente legislação.
Deste modo, sentimos a responsabilidade de todos os anos organizar um congresso que possa trazer à hotelaria soluções para os principais problemas dos nossos associados.
Este ano o tema escolhido foi "Descobriram Portugal. E agora?" Por força das mais diversas circunstâncias, Portugal ficou no radar das agências, operadores e dos turistas e mercê dos equipamentos hoteleiros que foram construídos nos últimos anos e das boas infraestruturas do país, como o exemplo das autoestradas, a que se junta a hospitalidade dos portugueses que gostam de receber as pessoas e são disponíveis. Isso cria uma empatia com os turistas que muitas vezes na Europa não se consegue, pelo que quem nos visita, especialmente os europeus que são quem mais nos procura, passou a ter curiosidade para descobrir Lisboa, Porto e as outras regiões.
Descobriram e gostaram e, como se sabe, pelos dados de que dispomos cerca de 90% dizem que vão voltar. Isso quer dizer que o nosso turismo está bem estruturado: tem boas infraestruturas, acolhedoras, bons hotéis, boas instalações e tem uma boa relação qualidade-preço que é ainda certamente a melhor da Europa.
VE - Todo esse quadro de crescimento do Turismo e da Hotelaria em particular é positivo, mas estaremos preparados para o momento em que haja um abrandamento do mercado?
RM - Neste momento, o nosso produto turístico está numa fase de crescimento, à qual se seguirá uma fase de maturação e, nesse sentido, o crescimento não será igual ao que tem tido, de dois dígitos.
A WTTC - World Travel and Tourism Council continua a prever um crescimento, à escala mundial, pela procura de conhecimento e, experiência entre os povos.
Não é só Portugal que é procurado. Este aumento do turismo à escala mundial deve ser para nós a referência e através dele perspetivarmos evolução da procura.
Sendo o turismo a indústria da paz, sempre que há guerra ou situações de conflitos, que se traduzem em insegurança, elas provocam uma redução da procura turística onde ela se verificar.
Assim, é preciso olhar para essas variáveis externas e é preciso olhar em termos internos.
Ao fazermos o Congresso em Coimbra, chamamos a atenção de que as regiões de Portugal, independentemente das mais conhecidas, têm muito para mostrar. Felizmente, os Açores, o Centro e o Norte têm vindo a crescer mais dos que as outras regiões, mas de forma segura e sustentada em novos projetos.
Portanto, dizer o que faremos quando tivermos uma redução da procura, considero que essa situação está a uma distância relativamente longínqua, a menos que haja uma situação de exceção causada por uma perturbação local, como há pouco referimos e que coloque em causa a segurança à escala local ou mundial.
Fomos eleitos o melhor destino da Europa, mas amanhã o segundo pode passar a primeiro se não cuidarmos da nossa casa. Cuidarmos da nossa casa é o objetivo dos temas do congresso.
Um fator importantíssimo é o serviço, uma vez que as instalações que temos de uma forma geral são bastante boas e conseguimos de há dois anos a esta parte que houvesse uma linha de crédito para a requalificação das unidades hoteleiras, na medida em que havia hotéis que estavam a ficar sem condições.
VE - Temos neste momento a capacidade de responder às necessidades de formação profissional que a especificidade do setor exige?
RM - Em termos de quantidade, temos resposta, em termos de qualidade, começamos a sentir algumas carências, ou seja, a formação base é bem-feita nas escolas de hotelaria do Turismo de Portugal e registamos um crescimento com uma ocupação das escolas superior a 90%, com uma empregabilidade correspondente.
É certo que alguns desses formandos saem para o estrangeiro porque temos uma boa formação; por outro lado, os ordenados da hotelaria em Portugal têm vindo nos últimos anos sucessivamente a crescer e, de certo modo, têm tentado travar essa saída. Essa é a formação de base. Não entra ninguém num hotel que não tenha formação de uma escola de hotelaria.
A AHP, com o objetivo de melhorar a formação dos que já trabalham em hotelaria criou a Hotel Academy que, gratuitamente para os seus associados, dá formação em línguas, desde o francês ao mandarim, temos igualmente cursos que visam um melhor atendimento dos clientes e ainda um terceiro vetor de formação dirigida à área operacional.
Temos ainda uma terceira via, através de parcerias com diversas universidades, em que os proprietários dos hotéis independentes podem ir aprender a utilizar as ferramentas que estão disponíveis, desde a área digital para criar um site, até à criação e gestão de um CRM ou à gestão hoteleira. A universidade não tem só como objetivo a obtenção de grau académico mas permite também que participem os proprietários desses hotéis independentes
"Governo tem de continuar a olhar para as infraestruturas aéreas"
VE – Neste enquadramento acaba de nos referir, a hotelaria tem sentido um bom apoio das entidades oficiais ligadas ao sector do Turismo?
RM - Nós temos da parte da Secretaria de Estado do Turismo uma boa colaboração, que tem sido bastante dinâmica, mas, neste aspeto das infraestruturas, que dependem de vários ministérios, estamos insatisfeitos pela falta de respostas às necessidades aeroportuárias.
Estamos muito preocupados porque a indústria sofrerá se o calendário previsto não for cumprido.
Agora, se nós não temos aeroporto em 2020, vai haver crise na hotelaria em Lisboa!
Turismo fator de coesão nacional entre as regiões
VE – Como Presidente da AHP, a principais linhas estratégicas que gostaria de deixar à indústria do turismo?
RM - Podemos resumir um pouco tudo o que dissemos na importância da sustentabilidade, e essa faz-se com os vetores que estão referenciados no nosso congresso, a saber: a ligação entre as regiões, que é um tema político, mas que achamos interessante destacar, porque as regiões da Europa como fator turístico podem ser igualmente um fator de coesão.
O turismo é um fator de coesão nacional porque aproxima as regiões ,e os portugueses estão cada vez mais atentos às suas regiões e deslocam-se em busca de as conhecer, como é o caso da procura dos Açores pelos portugueses, em virtude do baixo custo do transporte aéreo. Esta situação comportamental reflete-se igualmente no espaço europeu e desta forma Portugal deixou de ser periférico.
Tal como o transporte aéreo, a formação profissional no aumento da qualidade da nossa oferta, melhorando a prestação dos serviços, será igualmente uma forte aposta, não esquecendo as novas ferramentas ,que são importantes e a que estamos atentos, desde as ferramentas digitais, setor onde temos ainda muitos hoteleiros que não a utilizam, e, nesse aspeto, temos aqui um trabalho de cultura de gestão para levar junto dos hotéis, na sua maior parte independentes.
Contudo, de todos os temas que integram o congresso e que são fulcrais para manter a nossa sustentabilidade, há um muito importante de que ainda não falámos: "Como crescer sem perder a identidade".
Este é um problema que resulta do aumento da procura e que tem de ser controlado. Nós não podemos ter num bairro de Lisboa ou do Porto transformado em alojamento, quer sejam hotéis, quer seja alojamento local. Não podemos! As câmaras tanto de Lisboa como do Porto ainda nada fizeram, portanto, tem que haver um limite.
Nós podemos ter cidades balneares que eram aldeias de pescadores e que se transformaram em cidades turísticas, mas têm de manter a sua identidade. Felizmente em Quarteira continuamos a ter pescadores.
Desse modo há uma identidade e valores da cultura tradicional que não se podem perder, uma vez que criam uma atratividade turística que tem de ser mantida. Nas cidades essa questão é mais difícil de resolver, mas tem de se fazer alguma coisa para não perder a sua identidade. Temos de controlar o volume de oferta
de alojamento em geral. Neste momento há bairros em Lisboa e no Porto que estão a crescer demasiado neste aspeto, logo estão em risco de perder o que os distingue.
VE - Não considera que nesse enquadramento o risco de perda de identidade advém mais da expansão do alojamento local?
RM - É igual. Nós não nos pomos de fora. Se olhar, por exemplo, para a baixa de Lisboa, o que é que acontece? Tinha diversos edifícios que eram habitação, mesmo que abandonados, outros eram escritórios, todos com rendas baixas, que estão a ser transformados em hotéis ou alojamento local.
Nós dizemos que alguns devem ser devolvidos à habitação e é nesse sentido que nós chamamos a atenção da necessidade de haver um controlo, isto apesar de ser muito positivo o que tem estado a acontecer, até pela recuperação dos hotéis e alojamento local nas zonas históricas e no centro de Lisboa.
De facto, hoje temos uma cidade com vida, mas não podemos ter só turistas.
in Vida Económica, por José Luís Cavalheiro