Hotéis portugueses doam milhares de artigos. E lançam programa para doar muitos mais
Os hotéis portugueses querem avançar com “um grande programa de responsabilidade social para o futuro” e que dizem ser “único no mundo”, em que se propõem funcionar em rede com vista a doar todos os bens que já não utilizam e que estão “em bom estado de conservação” a todas as instituições sociais que deles necessitem.
A Associação dos Hotéis de Portugal (AHP) lança esta quarta-feira, 28 de junho, este programa de responsabilidade social, numa cerimónia em que Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República, se assume como “padrinho” da causa, e para quem esta iniciativa dos hotéis de partilhar os seus bens com a economia social “é sensacional e uma daquelas ideias em que tudo bate certo”.
O programa da AHP tem antecedentes: no ano passado, 66 hotéis seus associados doaram mais de 18 mil artigos a 33 instituições de solidariedade social, entre os quais 625 colchões, 746 móveis, 130 televisões, 148 candeeiros e 2.707 atoalhados, além roupa de cama, cortinados ou tapetes, entre vários outros.
Ao todo, os hotéis nacionais já doaram nos últimos anos mais de 26 mil artigos a instituições sociais, num projeto iniciado pela AHP em 2013, designado “um colchão, um coração”, que no início se restringia à doação de colchões mas rapidamente se estendeu a outros produtos, como sofás, televisores, mesas, cadeiras, cobertores ou loiças, por iniciativa das próprias unidades hoteleiras. Segundo a associação dos hotéis, os 26 mil artigos que foram doados equivaleram a mais de 2 milhões de euros em aquisições de equipamentos novos, e representam “centenas de milhares de euros” em artigos doados.
“Os hotéis estão permanentemente a fazer remodelações e muitos bens que deixam de utilizar estão em bom estado de conservação e são suscetíveis de ser aproveitados”, faz notar Cristina Siza Vieira, presidente executiva da AHP, frisando que juntando estas iniciativas num grande programa nacional “é possível ganhar outra escala, porque em Portugal há centenas de instituições de solidariedade social com necessidades a vários níveis. Se com 66 hotéis já atingimos mais de 26 mil doações, imagine-se o que podemos conseguir envolvendo todos os nossos 660 hotéis associados em todo o país”.
Cristina Siza Vieira enfatiza a relevância do programa em termos da “pegada económica, social e ambiental dos hotéis”. “Estamos a falar de bens que saíram dos hotéis e que reentram na economia, e que de outra forma seriam desperdiçados ou vendidos. Esta é a verdadeira 'sharing economy' (economia de partilha), e também a economia circular na sua grande aceção, envolvendo na globalidade os princípios de reduzir, reciclar e reutilizar”.
PROGRAMA VAI AJUDAR CONCELHOS FUSTIGADOS PELO FOGO
Dar apoio aos concelhos fustigados pelos fogos em Pedrógão Grande ou Figueiró dos Vinhos é outro enfoque do programa de responsabilidade social da associação dos hoteleiros. Todas as câmaras cujos territórios foram afetadas pelos recentes incêndios receberam a indicação de Raul Martins, presidente da AHP, no sentido de fazerem uma listagem de todos os bens que precisam, contanto com as pessoas que ficaram sem casa até às próprias instituições.
“Houve aqui uma grande solidariedade dos hotéis em todo o país que se mobilizaram para doar tudo o que fosse necessário”, adianta Cristina Siza Vieira. “Esta é uma área em que a AHP vai intervir, pois houve pessoas que perderam tudo, e os hotéis podem fornecer desde frigoríficos, fogões, móveis, até cortinados e toalhas, no fundo tudo o que as pessoas precisarem para as suas casas”.
A AHP quer avançar neste campo “com toda a serenidade e esperar pelo rescaldo da operação”. ”Pela nossa parte, já estávamos no terreno a fazer as doações de bens. Quando as luzes se apagarem, é que nós estaremos presentes a ajudar.”
GERAR EMPREGO INCLUSIVO
O objetivo do programa de responsabilidade social da AHP “ainda é mais ambicioso” e propõe-se gerar oportunidades de emprego inclusivo, através de uma plataforma capaz de gerir as necessidades de força de trabalho do lado dos grupos hoteleiros, e também das pessoas carenciadas que procuram uma ocupação através de informação veiculada pelas instituições sociais.
“Com esta plataforma queremos também criar oportunidades de emprego inclusivo, estudar a possibilidade de oferecer estágios ou dar formação a pessoas portadoras de deficiência, jovens que estão nas instituições sociais ou refugiados, neste caso envolvendo protocolo com a câmara municipal de Lisboa”, avança Cristina Siza Vieira. “Podíamos por exemplo fazer algumas ações durante o verão, em que as pessoas pudessem vir aprender a fazer camas, a trabalhar nas cozinhas, ou outras atividades”.
Camas, cortinados, móveis, televisões ou sofás são alguns dos bens que os hotéis têm doado às instituições
Frisando que as iniciativas de emprego inclusivo “são sempre acarinhadas pelos hoteleiros”, e que nesta altura os grupos turísticos estão a admitir trabalhadores e a precisar de meios humanos, Cristina Siza Vieira enfatiza o facto de um programa desta dimensão já ultrapassar a boa vontade das unidades hoteleiras e obrigar ao estabelecimento de protocolos com organismos públicos e instituições sociais.
“Este não é o nosso 'core', e se queremos ir mais longe neste programa de responsabilidade social corporativa e evoluir para uma plataforma que gere oferta e procura também ao nível do emprego, o Estado tem de estar envolvido e teremos de evoluir para uma parceria público-privada”, sublinha Cristina Siza Vieira.
O novo programa de responsabilidade social da Associação dos Hotéis de Portugal designa-se Hostes. “Esta é a palavra latina que deu origem à 'hospitalidade' e derivou para 'hostilidade'. E são os hotéis que convertem a hostilidade em hospitalidade”, refere Cristina Siza Vieira.
Neste programa, a “cereja em cima do bolo” é a criação de um selo distinguindo os hotéis que se mobilizam nas causas de responsabilidade social e de sustentabilidade ambiental, e que visa tornar estas práticas mais visíveis aos olhos do público.
“Este programa é um ovo de Colombo, é a verdadeira demonstração na prática do que um trabalho bem organizado pode trazer à economia social e suprir várias falhas”, sustenta a presidente executiva da AHP.
“Os hotéis já tinham no seu ADN estas políticas de responsabilidade social e a partilha de bens, e o novo objetivo é cozer isto tudo, numa grande rede com todos os hotéis e envolvendo também outros parceiros, como os nossos fornecedores”, lembra Cristina Siza Vieira, salientando ainda que “os hotéis têm sido muito generosos a este nível, e até antecipam projetos de remodelação para poderem ser mais efetivos nas doações”.
in Expresso Online por Conceição Antunes