Alojamento Turístico nas cidades aumenta 50%
Porto e Lisboa, sobretudo, batem sucessivos recordes no turismo. Mas estará a pressão imobiliária exercida sobre os centros históricos a tornar insustentável esta estratégia?
As boas notícias têm sido uma constante. Lisboa e Porto batem sucessivos recordes no turismo. Em 2016, o setor da hotelaria chegou aos píncaros e o alojamento local também disparou. Só no Airbnb, líder de mercado das plataformas de reserva online, Lisboa regista 9984 anúncios ativos e o Porto tem 3883, segundo dados do site AirDNA. Em 2016, foram registados 13 mil novos alojamentos locais, mais 50% do que existia entre 2008 e 2015. A par das consequências positivas, começará a pressão sobre os centros históricos a ser insustentável? As opiniões dividem-se, mas o próprio Governo diz ser necessário combater o atual desequilíbrio.
Até ao final de março, o Registo Nacional do Alojamento Local identifica 39 507 estabelecimentos em Portugal. Entre 1 de janeiro e 31 de março, foram efetuados 414 registos de alojamento local no Porto e 723 em Lisboa, inúmeros com o mesmo promotor e no mesmo edifício - fora desta contabilidade ficam os ilegais.
De acordo com o estudo "Alojamento Local - Qual o Fenómeno?", encomendado pela Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) às faculdades de Direito e de Economia da Universidade Nova de Lisboa, o alojamento local tem um peso cada vez maior sobre o mercado imobiliário. Na capital, há freguesias onde representa mais de 20% do total de fogos disponíveis. É o caso de Santa Maria Maior, onde se concentram os bairros de Alfama e Mouraria, com 22% de casas registadas no Airbnb. No Porto, a União de Freguesias de Cedofeita tem 11% das habitações naquela plataforma. Aliás, uma reportagem publicada pelo JN a 14 de março dava voz a habitantes mais antigos da Baixa que se queixam da pressão imobiliária asfixiante, com inúmeras propostas para deixarem as suas casas, e da falta de alternativa devido às rendas cada vez mais altas. Recentemente, foi até criada no Facebook uma página intitulada "Cartas ao Rui" [Moreira, presidente da Câmara do Porto] que acolhe relatos desse assédio imobiliário.
À semelhança do que acontece em Lisboa - que em janeiro de 2016 começou a aplicar uma taxa municipal turística, que nesse ano rendeu à Câmara 12,4 milhões de euros -, o autarca portuense já assumiu que, se ganhar as eleições deste ano, vai propor a criação de uma taxa turística no Porto no próximo mandato, cuja receita servirá para reequilibrar os efeitos do turismo na cidade.
Mas se uns se queixam do impacto negativo, outros encontram uma oportunidade. É o caso de Jorge Rodrigues, 40 anos. Licenciado em Engenharia e em Economia do Ambiente, trabalhou 12 anos em projetos de avaliação de impacto ambiental até que se viu desempregado. Assim nasceu, em 2015, a Porto City Hosts, uma empresa de promoção e gestão de imóveis que liberta o proprietário de todos os trabalhos associados, desde as reservas até à receção dos hóspedes, passando pela limpeza e manutenção.
"O meu negócio é fruto da crise. Como também tinha uma pós-graduação em gestão de imóveis, usei as armas que tinha para me dedicar a novos projetos", conta ao IN Urbano. "Começámos do zero. Tínhamos apenas uma ideia". Uma ideia e um manancial de mais-valias da cidade; "cultura, história, gastronomia, língua e, muito importante, segurança. Faltava apenas que o Mundo olhasse para nós". E olhou. Sucessivamente eleito como Melhor Destino Europeu, o Porto conseguiu vender-se a gente de todas as latitudes. Não só a turistas, mas também a investidores estrangeiros. Jorge tem cerca de 30 clientes de quatro continentes; Europa, América, Ásia e África.
Este tipo de alojamento tem sido cada vez mais pro
curado, o que, segundo Ricardo Macieira, responsável da Airbnb em Portugal, também se explica pela entrada em vigor da nova regulamentação sobre o alojamento local. O Porto "tem vindo a crescer como destino turístico", mas a Airbnb diz não ter dados "que permitam avaliar se existe um crescimento no preço dos alugueres e quais as razões. A existir, é algo que sucede sempre em todas as grandes cidades atrativas onde as pessoas querem viver", diz. Pedro Feitosa, 50 anos, é um turista profissional do Porto. Chegou pela primeira vez em 1986 e desde então voltou quatro vezes, conta o brasileiro. Nunca se hospeda em hotéis, gosta de "ficar no lugar". "Gosto de me sentir um morador, de fazer compras no supermercado, cozinhar, andar nos transportes públicos, ver o comportamento dos habitantes e tentar agir um pouco como eles", conta, entre risos.
Metro à porta
É cliente assíduo das plataformas de reserva online. Costuma recorrer ao Booking, mas desta vez tratou de tudo através da Home Away e acabou por não ficar no Porto, mas do outro lado da ponte Luis I, em Gaia. "Não é distante e tenho o metro à porta". Está muito satisfeito com o seu Tl kitchenette. lá ouviu "falar sobre essa invasão de turistas" e as suas consequências mas confessa não ter grande noção do fenómeno. O Porto, esse, está diferente, "maior", mas "preserva os monumentos arquitetónicos e o centro antigo". E encontrou algo "fantástico", o metro, até já tem um cartão mensal. Um dia, quem sabe, volta de vez. Apesar de ter ajudado a inverter uma trajetória de declínio e desertificação dos centros históricos, entre outras consequências positivas, o rápido aumento dos alojamentos locais está a provocar desequilíbrios, como a redução dos imóveis para habitação e o aumento dos valores praticados, afastando moradores dos centros históricos, admite o secretário de Estado Adjunto e do Ambiente. losé Mendes garante que o Governo está atento ao fenómeno e tem tomado medidas no sentido de contrariar essa tendência [ler entrevista].
Opinião diferente tem Adolfo Mesquita Nunes, para quem a desertificação dos centros e o deficiente mercado do arrendamento "são dois problemas históricos, com raízes muito anteriores ao crescimento do turismo". O antigo secretário de Estado do Turismo, o grande responsável pela reforma e liberalização do mercado, não põe de parte eventuais efeitos desse crescimento, mas considera que as suas razões têm de ser encontradas antes, "nomeadamente no quadro fiscal e legal do arrendamento e na escassez da oferta". "Nenhum proprietário é obrigado a arrendar e só o fará se essa for uma opção substancialmente mais atrativa", diz.
Para o ex-governante, o alojamento local "existia antes da lei, existe em países que o limitam, e continuará a existir enquanto o arrendamento continuar a ser um risco substancialmente maior para os proprietários (razão pela qual há estudos que mostram que o alojamento local teve forte incidência em casas que estavam vazias)". Assinala ainda que contribuiu para a regeneração urbana.
No mesmo sentido vai o entendimento da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal. Em março, a APE- MIP anunciou que o Porto é o distrito com maior procura imobiliária no mercado residencial em 2017, situando-se nos 39,6% (aumentou 17,5%), ultrapassando Lisboa em que foi de 23,1%. Acerca do alojamento local, Luís Lima considerou que este ajudou à reabilitação das cidades e, se houve casas a migrarem para os arrendamentos de curta duração, é porque "não foram criados incentivos fiscais para tornar o arrendamento tradicional mais compensador".
in Jornal Notícias por Joana de Belém