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"Penso que há euforia a mais no Turismo açoriano e devemos refrear o entusiasmo"

Os dados mais recentes do turismo estão a criar alguma preocupação sobretudo porque as estatísticas mais recentes demonstram que os fluxos turísticos para a Região deixaram de crescer a dois dígitos e, em Junho último, registou-se mesmo uma diminuição de passageiros estrangeiros a viajarem para a Região em relação ao mês homólogo do ano passado.  
 
Segundo os dados divulgados pelo Serviço Regional de Estatística, em Junho deste ano desembarcaram nos aeroportos dos Açores 164.509 passageiros, um aumento de 1,2% face ao mesmo mês de 2017. Os passageiros com origem no estrangeiro foram 23.865, e os com origem noutras regiões do território nacional foram 71.279, implicando uma diminuição homóloga de 10,1% de passageiros estrangeiros e um aumento homólogo de 0,9%, dos turistas com origem no território nacional.  
 
O facto é que, apesar da nova rota aberta, recentemente, pela Delta Airlines, com origem em nova Iorque, o desembarque de passageiros com origem no estrangeiro baixou 10,1% e o número de dormidas na hotelaria tradicional poderá ter mesmo se mantido estável.  
 
"Vão acontecer oscilações no Turismo açoriano"  
 
Estes dados estatísticos não assustam o empresário Fernando Neves, Delegado da Associação de Hotelaria de Portugal, ao afirmar que "não há motivo para grande preocupação", embora "devemos estar atentos".  
 
Fernando Neves dá uma primeira explicação para a evolução do turismo em Junho deste ano. Afirma que, por altura da realização do Mundial ou do Europeu de Futebol "é sempre tradicional haja muitas pessoas que não vão viajar e optam por ficar por casa a ver os jogos de futebol na televisão. Isto é normal acontecer", acentua.  
 
Outras das explicações que o empresário dá é a de que "não podemos querer sempre aumentar os fluxos turísticos a dois dígitos continuamente. Efectivamente, crescemos a dois dígitos nos dois primeiros anos e agora será difícil", afirma.  
 
"De qualquer maneira", prossegue, "é preciso pensarmos que vão acontecer oscilações e devemos estar atentos e, se calhar, tomarmos algumas acções que são importantes. E as acções passam pelo mercado alvo que estamos a procurar e por tomar medidas de valorização e qualificação da nossa oferta. É preciso ter muito cuidado.  
 
Estamos num momento decisivo e é importante que qualifiquemos e termos alguma preocupação em manter a nossa identidade e a nossa diferenciação", afirmou Fernando Neves.  
 
Quando questionado sobre se o discurso político não estará a ser demasiado optimista no turismo e se não se está a construir muitas unidades hoteleiras ao mesmo tempo, o Delegado da Associação de Hotelaria de Portugal mantém uma postura tranquila. Desde logo, discorda de que se esteja a construir hotéis a mais. "As unidades hoteleiras cresceram relativamente pouco nos últimos anos, abaixo de 6%. O que apareceu foi muito Alojamento Local de forma indiscriminada. Cresceu tanto que há 3 ou 4 anos o alojamento local era praticamente inexistente e, neste momento, há mais camas no alojamento local do que há de hotelaria. Penso que o nível de hotéis não cresceu muito. O aumento do número de camas, nos hotéis, nos últimos quatro anos não é de mais de 10%", afirmou.  
 
Alojamento local cresceu 600%  
 
Agora, prosseguiu, ocorreu uma "explosão" no crescimento do alojamento local, "muitas vezes com qualidade duvidosa. Há uns anos não se ouvia falar de Alojamento Local e, neste momento, há mais Alojamento Local do que há camas. Por isso, cresceu em cerca de 600% a 700% em quatro anos".  
 
Quando o jornalista questiona sobre se existirá concorrência desleal do Alojamento Local em relação às unidades hoteleiras, o empresário Fernando Neves, é cuidadoso nas palavras. "Haverá concorrência desleal porque as condições não são mesmas. Se abrir um hotel as exigências são muito grandes, a nível de condições, de investimento, de condições de mercado, condições a respeitar que, em comparação ao alojamento tradicional, é muito complicado e moroso. O alojamento local abre-se com um licenciamento da Câmara Municipal e para abrir um hotel são preciso três anos", afirma.  
 
Aceita, contudo, que, neste momento, já há um maior equilíbrio entre hotéis e alojamentos locais em termos de taxas. Clarifica que o alojamento local "acaba por pagar mais ou menos a mesma coisa. Mas acaba por ser sempre uma concorrência".  
 
O empresário entende, a propósito, que o alojamento local de qualidade, "é importante. E há alguns exemplos dessa qualidade nos Açores e, nomeadamente, em Ponta Delgada. E alojamento local foi importante para dar resposta ao crescimento rápido que houve nos últimos anos", afirmou.  
 
"A euforia nuncaé boa"  
 
O jornalista questionou se é normal a estabilização no crescimento dos fluxos turísticos para os Açores e a resposta do Delegado da Associação de Hoteleiros de Portugal é esclarecedora: "Penso que é normal. O turismo é mesmo assim, há períodos de crescimento, períodos de estabilidade e períodos de baixa e isso vai acontecer. Vamos ter um ou dois anos em que vamos ter menos crescimento, mas isso é previsível. É um facto. Nem todos os negócios crescem infinitamente, há períodos. Isso vai acontecer também aqui com o turismo. É natural que devamos refrear muito o entusiasmo que temos assistido.  
 
A euforia nunca é boa para o açoriano e penso que há euforia a mais no turismo dos Açores", acentuou.  
 
"Se conseguirmos manter-nos sempre em crescimento", prosseguiu, "será um caso único a nível mundial. Há ciclos económicos, isso é básico e todos sabemos isso. Estamos a crescer e temos crescido por razões muito conjunturais. E a conjuntura tem a ver com as condições de instabilidade em muitos outros destinos turísticos, tem a ver com o aparecimento das low cost e a abertura do espaço aéreo, fruto também de algum trabalho que foi feito ao nível de promoção", palavras de Fernando Neves.  
 
"Manter a identidade e diferenciação do nosso Turismo"  
 
Na opinião do empresário, "tudo isto é conjuntural e temos de transformar esse conjuntural em estrutural e como é que se consegue? Mantendo a identidade e diferenciação do nosso turismo, da nossa oferta turística, qualificando a nossa oferta turística, com qualidade de serviço, qualidade de estruturas, qualidade ambiental que é preciso preservar. Sabemos que o cliente aprecia a nossa oferta turística para poder apreciar, de forma calma, sem ruído, a nossa paisagem, a nossa beleza natural e todos sabemos que muitas vezes isso já não é possível. Basta chegar às Sete Cidades ou à Lagoa do Fogo, lembrar-me que há sete ou oito anos que chegávamos a certos pontos e podíamos estar ali a apreciar a paisagem sem ninguém a perturbar. Hoje em dia é muito difícil e é preciso ter cuidado com isso. É fundamental que preservemos o bom que há nos Açores", completou.  
 
O jornalista quis saber se é significativo o número de turistas que repetem o destino Açores e a resposta de Fernando Neves volta a ser cuidada. "É natural que haja pessoas que voltam. Há pessoas que, numa primeira fase, vêm conhecer São Miguel e, numa segunda fase, vão conhecer outras ilhas. Já há muita gente a conhecer os Açores na sua totalidade e voltam para conhecer outros pontos".  
 
"Penso que temos ainda de conversar sobre como fidelizar clientes e fazer com que os clientes nos voltem a visitar porque a repetição é importante para a sustentabilidade económica de um destino", sublinhou.  

In Correio dos Açores, por João Paz e Carla Dias

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